Coisas da Vida

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terça-feira, 3 de abril de 2012

“Como falar com Deus?”

Inquietos com o mundo religioso ocidental onde, enfatiza tantas as exigências rigorosas de um Deus difícil de ser agradado. A espiritualidade que se difunde e prevalece atualmente oprime as pessoas com fardos pesados. A cada dia multiplicam-se pelo Brasil igrejas que não deixam as pessoas esquecerem suas dívidas perante um Deus implacável na defesa de sua lei. Diante dessas circunstâncias nos propomos a pensar na musica que Gilberto Gil compôs nos anos 80 que se chama “Se eu quiser falar com Deus” vejamos o que diz a letra da música:

“Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós / Tenho que apagar a luz / Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz / Tenho que folgar os nós / Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios / Tenho que esquecer a data / Tenho que perder a conta / Tenho que ter mãos vazias / Ter a alma e o corpo nus

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor / Tenho que comer o pão / Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão / Tenho que lamber o chão /Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho / Tenho que me ver tristonho / Tenho que me achar medonho / E apesar de um mal tamanho / Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar / Tenho que subir aos céus / Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus / Dar as costas, caminhar / Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada / Nada, nada, nada, nada / Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar.”

                                                                                                                        Gilberto Gil
                                                                                                                                    1980.

Se eu quiser falar com Deus, é um clássico da MPB (Música popular brasileira), escrita por Gilberto Gil em 1980, segundo ele, foi escrita a pedido de Roberto Carlos. No livro "Gilberto Gil - Todas as Letras", Cia. das Letras - Ed. Schwarcz, editado em 1996, organizado por Carlos Rennó,  Gil faz o seguinte comentário sobre a letra da música:
"O Roberto (Carlos) me pediu uma canção: do que eu vou falar? Ele é tão religioso -  e se eu quiser falar com Deus? E se eu quiser falar de falar com Deus? Com esses pensamentos e inquirições feitas durante uma festa, dei início a uma exaustiva numeração: se eu quiser falar com Deus tenho que isso, tenho que aquilo, que aquilo outro. E saí. À noite voltei e organizei as frases em três estrofes.
O que chegou a mim como tendo sido a reação dele, Roberto Carlos, foi que ele disse que não era a idéia de Deus que ele tem. Alí, a configuração não é a de um deus nítido, com um perfil claro, definido. A canção (mais filosófica, nesse sentido, do que religiosa) não é necessariamente sobre um deus, mas sobre a realidade última: o vazio de Deus - o vazio-Deus.".
O poema possui 36 versos, dos quais o autor enumera uma série de ritos ou atitudes que se deve tomar para conseguir acesso a Deus.
Profundo conhecedor do misticismo e da religiosidade, Gilberto Gil alude nessa letra estupenda a vários preceitos esotéricos da relação do homem com a divindade. Aparecem conceitos da meditação contemplativa como a ensinam o Tao Te Ching, o bramanismo, o budismo e até mesmo o misticismo cristão: silêncio interior e exterior, concentração plena, vazio interior, humildade, auto-aceitação, renúncia de desejos e expectativas. Tudo com a promessa de que a experiência com a divindade é sempre surpreendente e supera a imaginação humana.
Esses ritos e atitudes são apresentados em caráter de exigência pela palavra “Tenho que”, que implica necessidade, diretivas postulados e não sugestões ou possibilidades.
Podemos destacar nessa música duas palavras chaves que são “Tenho que” e “Nada”. A repetição (treze vezes) da palavra “nada” expõe a qualidade e a densidade desprovido de objetivos previamente estabelecidos: Deixando apenas o mistério, afastando-nos  de qualquer contexto racional ou predeterminado.
Por tanto segundo a letra da música, para falar com Deus é necessário: “aceitar a dor, comer o pão que o diabo amassou...”, dando uma idéia de autoflagelação, e de atitudes e ritos formais sem os quais não é possível falar com Deus.
Segundo o Evangelho de Mateus vemos a idéia de Jesus sobre como se deve falar com Deus, quando diz: E, quando orares, não sejas como os hipócritas, pois se comprazem em orar em pé nas sinagogas e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai, que vê o que está oculto; e teu Pai, que vê o que está oculto, te recompensará.” (Mateus 6.5-6). Jesus elimina toda formalidade na pratica da oração; para falar com Deus não existe um método, um modelo ou uma maneira de apresentar-se, para os judeus segundo o seu costume a maneira mais correta de falar com Deus, era em pé nas sinagogas, e Jesus apresenta um novo viés para se comunicar com Deus. Em outro texto Jesus apresenta o que para nós, refuta a idéia que a música trás de ritos religiosos muito pesados a serem pagos e cumpridos caso o contrario não conseguiremos falar com Deus, nem tão pouco ele nos ouvirá, vejamos o que diz o texto que contrapõe a idéia de Gil: Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. “Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve”. Portanto falar com Deus é o meio de nos aliviarmos de dores e cargas não de colocarmos cargas pesadas que não pertencem a nós. Roberto Carlos entendeu isso, e segundo alguns críticos depois de 15 anos compôs uma música que se chama: “Quando eu quero falar com Deus” em resposta a música feita por Gilberto Gil. Nessa musica Roberto Carlos expõe sua opinião sobre o assunto: “Falar com Deus”:
“Quando eu quero falar com Deus, eu apenas falo
Quando eu quero falar com Deus, às vezes me calo
E elevo o meu pensamento, peço ajuda no meu sofrimento

Ele é pai, Ele escuta o que pede o meu coração
Quantas vezes falando com Deus, desabafo e choro
E alívio pro meu coração eu a Ele imploro
E então sinto a Sua presença, Seu amor, Sua luz tão intensa
Que ilumina o meu rosto e me alegra em minha oração

Quanta paz, quanta luz
Deus nos ouve, nos mostra o caminho que a ele conduz
Deus é pai, Deus é luz
Deus nos fala que a Ele se chega seguindo Jesus

É tão lindo falar com Deus, em qualquer momento
Deus que vê uma folha que cai e é levada ao vento
Não existe onde ele não esteja e Ele pode escutar nossa voz
Deus no Céu, Deus na terra, onde esteja, está dentro de nós

Quanta paz, quanta luz
Deus nos ouve, nos mostra o caminho que a Ele conduz
Deus é pai, Deus é luz
Deus nos fala que a Ele se chega seguindo Jesus

Quanta paz, quanta luz
Deus nos ouve, nos mostra o caminho que a Ele conduz
Deus é pai, Deus é luz
Deus nos fala que a Ele se chega seguindo Jesus

Quanta paz, quanta luz
Deus nos ouve, nos mostra o caminho que a Ele conduz
Deus é pai, Deus é luz”

Na concepção de Roberto Carlos o ato de falar com Deus não precisaria de tantos condicionamentos. Aliás, muitas vezes, sequer necessitaria falar alguma coisa. Bastaria elevar o pensamento; pedir ajuda aos seus sofrimentos; desabafar com Ele que, por si só, isto já traria um alívio para a alma. Na realidade, Ele já sabe o que pede o seu coração, pois está em todos os lugares, está dentro de nós, segundo a canção.
O teólogo Leonardo Boff, no livro: “A oração no mundo secular” p.33, faz a seguinte pergunta e afirma: “Não é a oração um encontro com Deus? Para dizer um sim a Deus não precisamos encontrá-lo face a face. Basta reconhecê-lo incógnito no sacramento do próximo.”. Boff, ainda cita um grande místico flamengo J. Ruysbroeck (1293-1381): “Se estás em êxtase e teu irmão precisa dum remédio, deixa teu êxtase e vai levar o remédio. O Deus que deixas é menos seguro do que o Deus que encontras”.
Como falar com Deus? Existem muitos pontos de vista e é difícil dar uma resposta satisfatória a tais perguntas, mas, no entanto entendemos que sem oração e meditação a vida humana vai perdendo o sentido profundo e transcendental; por mais que a sociedade hodierna seja vitima do ativismo, não podemos deixar de manter o relacionamento com Deus. Pois se deixarmos de tê-lo seremos frustrados.
Nos desprendamos de formas, ritos cargas e duvidas, pois quando falamos com Deus: Deus não responde ao porquê do sofrimento. Ele sofre junto. Deus não responde ao porquê da dor. Ele se faz homem das dores. Deus não responde ao porquê da humilhação. Ele se humilha. Já não estamos mais sós em nosso imenso desamparo. Ele esta conosco, ao nosso lado. Acabou-se a solidão. Agora prevalece a comunhão. Só se fala com Deus através do coração como diz Antoine de Saint-Exupéry: “Só se vê bem com o coração”.

                                                                                                                                 Pr. Rogério Pinheiro

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