“Amor é a coisa mais alegre. /
Amor é a coisa mais triste./ Por causa
dele falo palavras como lanças. / Amor é
a coisa mais alegre. / Amor é a coisa
mais triste./ Amor é coisa que mais quero. / Por causa dele podem entalhar-me,/
sou de pedra sabão. / Alegre ou triste, / amor é a coisa que mais quero.” (Adélia Prado)
Concordo. Que coisa melhor poderá haver?
Mas o danado – coisa estranha
– é como o vento. Uma hora vem, outra
hora vai, e não há artes no mundo que o possam agarrar. Como dizia o Fernando Pessoa: “Leve, leve, muito leve, / um vento muito
leve passa, / e vai-se, sempre muito leve...”
Onde é que mora para que
possamos buscá-lo? Sei que mora em algum
lugar, mas lá não se pode chegar... Até se pode, mas o jeito ficou desacreditado.
Amor mora no país das
palavras. Palavras – não são elas
“pontes e arco-íris que se estendem sobre coisas eternamente separadas?” Melhor
que uma ponte de palavras, arco-íris onde nunca se chega, é um anel. Diamante.
No dedo, para não sair nunca mais.
Mas o amor não é assim. Vai e
vem. E é por isso que dói tanto. Quando vem é a coisa mais alegre. Quando vai é a coisa mais triste. Pôr-de-sol.
Mais se parece com uma gota de chuva numa folha de couve, o raio de sol
se decompondo nas sete cores do arco-íris.
Mas, tente pegá-la...Tente colocá-la no anel. Quem pega perde. Vento engarrafado não serve para empinar
pipas e nem faz o cabelo voar...Gota de chuva brilhando em folha de couve a
gente só pode olhar e se extasiar.
Alguns pensam que o casamento faz o milagre, que é capaz de por a gota
de chuva no anel. Que ele consegue
engaiolar o vento. E até inventaram esta
palavra terrível que vamos repetindo sem nos lembrar do que significa: conjugal,
com-jugo, sob a mesma canga, como parelha de bois amarrados...Tanta festa com
vídeo, todos iguais, diferença só na cor das roupas, a noiva está linda
(todas), salgadinhos e champanhe, discurso do pastor que ninguém ouve, os
fotógrafos, irreverentes, atrapalhando tudo, o importante é mostrar o álbum
colorido, depois. Mas toda a mágica não
adianta. A gota de chuva ri, o vento
dança...
O amor mora num outro lugar: as
palavras. Por isso que o Milan Kundera
diz que começamos a amar uma mulher no momento em que ligamos seu rosto a uma
metáfora poética. Amamos uma pessoa pela
poesia que vemos escrita no seu corpo.
Bem diz a Adélia Prado que “erótica é a alma”. Estranho isso, porque se pensa que o amor
mora é no corpo e até se dá o nome de “fazer amor” a união de dois corpos. Mas o corpo é como a flauta, o órgão, o
violão, o violino – coisa que só fica bonita quando dele sai música. Amamos um corpo pela música que nos faz
ouvir.
Amamos uma pessoa pelas
palavras que a ouvimos dizer, por vezes em silêncio. A alma ouve as palavras
que moram dentro dos olhos: “Como é bom que você existe. O universo inteiro fica luminoso, por sua
causa. Vou chorar quando você se
for. Terei saudades. Ficarei com um pedaço arrancado de mim. Será triste.
Tristeza que não abandonarei por nada, pois ela marca a sua presença,
que se foi.”. Amor não é o prazer que se
sente no corpo, é a alegria que se sente na alma. A gente se sente bonito. O outro é um espelho onde nos contemplamos, e
nos seus olhos a nossa imagem se transfigura.
Mas, aí, sem que se saiba por
que, a gota de chuva cai, o vento se vai, e ficamos de mãos vazias. E só nos resta esperar. Como esperamos que o ipê floresça de
novo. As flores desapareceram, mas
voltarão. Amor é isto: a dialética entre a alegria do encontro e a dor da
separação. De alguma forma, a gota de
chuva aparecerá de novo, o vento permitirá que velejemos de novo, mar
afora. Quem não pode suportar a dor da
separação não está preparado para o amor.
Porque o amor é algo que não se tem nunca. É vento de Graça. Aparece quando quer, e só nos resta ficar à
espera. E quando ele volta a alegria
volta com ele. E sentimos que valeu a
pena suportar a dor da ausência, pela alegria do reencontro.
Agora quero falar um pouco
sobre tristeza: a tristeza é sempre bela, pois ela nada mais é que o sentimento
que se tem ante uma beleza que se perdeu... tristeza é isso: estar diante de um
espaço onde um dia houve um encontro. Saber que cedo ou tarde, tudo o que está
presente ficará ausente. As pequenas despedias apenas acordam em nós a consciência
de que a vida é uma despedida. Tristeza é isto, quando o belo e a despedida se
coincidem. O que revela o nosso próprio segredo, dilacerado entre o belo, que
nos tornaria eternamente felizes, e os nossos braços curtos de mais para
segurá-lo. Bem dizia Goethe: “tudo o que está próximo se distancia”.
Tristeza não é um vazio qualquer é um pedaço arrancado
de mim, mutilação do meu corpo. Lembro-me de Álvaro de Campos dizendo da dor
que sentia ao ver os navios que se afastavam do cais. “Ah! Todo cais é uma
saudade de pedra... todo atracar, todo largar de navio é – sinto-o em mim como
meu sangue”. É só agora, Drummond, que compreendo o que você diz no seu poema
“Ausência”, onde você afirma não lastimar o espaço vazio. Não deveria ser
assim... acontece que, depois da partida, só fica a ferida, ferida que não se
deseja curar, pois ela trás de novo à memória o belo que uma vez foi.
Este texto é construido a partir de pensamentos de varios autores, que ousadamente junto nesse pensamento sobre amor e tristeza.
Rogério Pinheiro
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